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Channel: O Poeta de Hamelin » Demiurgo
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Réquiem

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Olá pequenos seres. É tempo de mais um relato, daqueles de maior importância. Pois saibam, tem relação direta ao destino de suas pacatas vidas. Serei breve, pois tal conto precisa ser recontado a cada era, para que não se esqueçam que é frágil a fundamentação da realidade, e para que se permitam que os deuses zombadores apostem suas fichas novamente no fado de seus pequenos descaminhos.

A realidade foi criada de uma história muito bem contada. Enquanto essa narrativa não cessar, suas existências persistem. A fantasia que embala os sonhos desses muitos é que determina suas realidades. Chega de explicações. À história dos princípios.

Deuses antigos eram extremamente cautelosos na administração de seus domínios. Não podia escapar à vigilância de tão severos e incontáveis olhos, o equilíbrio deste mundo perdido no canto do Universo que se encontra naquilo que você conhece por realidade.

Nesse panteão eterno se formou uma pequena dissidência, deuses mais novos, ainda sob influência do Caos primordial, resolveram revolucionar o olhar que mantinham sobre seus domínios. Assim, começaram a agir os deuses zombadores, a ridicularizar a aparente ordem dos deuses e a questionar até mesmo a finalidade de existência tão mecânica. Um equilíbrio insuportável de existência tão pacata e certa.

Foi lançado, dessa maneira, levianamente, o derradeiro desafio contra os deuses antigos. Os deuses zombeteiros criaram, através do Caos e do fogo, a nova espécie. Se tal espécie prevalecesse, e se tornasse mais perfeita que qualquer criação dos antigos, os arautos do caos poderiam estender seu poder pelo Universo. Assim apostaram os deuses.

E assim, pequenos, surge essa raça no Universo. Nasce a humanidade, para o deleite dos deuses.

Rapidamente, os deuses antigos se enfureceram com a criação de espécie tão desprezível. Filhos do fogo e do caos, aqueles seres se entregavam ao sofrimento e à crueldade com um prazer obsceno. Encarando tamanha destruição advinda de tão nova criatura, o panteão antigo resolveu dizimá-los. Assim foi convocada a Dama Branca para que extinguísse espécie tão abominável.

Quando estava prestes a desferir seu golpe fatal, a Dama Branca hesitou: percebeu que aqueles seres corruptos estavam a empunhar tochas de fogo artificial. Curiosa com a recente engenhosidade, suspendeu a execução dos seres, pois acreditou ainda não estar encerrada a aposta primordial, devendo ser respeitada a possibilidade de algo sublime nascer do caos.

A cada período de 630 anos, ela retorna a observar o progresso e se perguntar se valeria a pena manter espécie tão torpe. Até o momento, Ela preferiu aguardar pois constatou que ainda há potencial a ser cumprido.

Não há qualquer defesa possível contra a acusação dos deuses antigos. Realmente trata-se de uma espécie corrupta, contudo, ela percebeu que os filhos do Caos e do Fogo traziam dentro de si, uma fagulha, nascida acidentalmente, como parecem ser as obras do Caos, que lhes permitia dominar e transcender até mesmo a matéria de que eram feitos. Na dominação do Fogo, Ela percebeu, a potência criadora contida naqueles seres, o Caos ainda age.

Desse modo, de perto a humanidade tem sido acompanhada. Apesar da persistente barbárie e violência, houve demonstrações indiscutíveis de evolução e de transcendência.

A cada julgamento, ela percebe uma faceta então desconhecida, que redime, a toda a humanidade dos pecados daquela era. Seja a breve melodia, a transportar os sentimentos e as dores dos túmulos para a eternidade, ou ainda um gesto de ternura que ameniza a dor do semelhante em meio a terríveis atos.

Percebe também os métodos de conhecimento daquela espécie, sempre a aprender e a dominar a essência de suas realidades.

A fagulha é o espírito humano, até o momento incansável, que tem atingido barreiras e materializado aspirações. Tem transcendido a matéria e os limites da carne. Branca apenas observa, pois mais importante que o sofrimento causado, é descobrir onde eles podem chegar.

Finda-se, por enquanto, esta história que ainda perdurará, espero, por algumas eras. Também me intriga um pouco o destino de sua espécie, caro leitor, contudo, leve adiante este relato para que se alimente a chama que redime tua espécie. Até breve.

§ O Demiurgo.


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